Sexta-feira, 13 de dezembro de 2024
Por Redação Rádio Caiçara | 11 de novembro de 2024
Durante seu primeiro mandato, Donald Trump ameaçou repetidamente que os EUA abandonariam a Organização Mundial do Comércio (OMC), sem formalizar esse que seria um golpe sem precedentes contra o multilateralismo.
Com o Trump 2.0 agora, e mais agressivo na direção do unilateralismo, a questão é se os trumpistas vão se satisfazer com a paralisia do sistema multilateral de comércio, ou se deflagram sua saída da entidade significando guerra comercial aberta.
Foi praticamente no clima de sua famosa frase “you’re fired” (“você está demitido”), que repetia em um reality show na TV americana, que Trump assumiu o poder em 2017 com sua visão sobre comércio.
Para Trump, os EUA deveriam sair da OMC porque a entidade, criada precisamente com liderança de Washington, era “muito injusta” com o país, e “sem ela, a China não seria a China, a China não estaria onde está agora” com enormes vantagens por ser considerada “em desenvolvimento” e surfando nas regras multilaterais destronou os EUA como maior nação comerciante do planeta (soma de exportações e importações). Os EUA foram os grandes promotores da entrada da China na OMC, em 2001, porque achavam que as regras iriam conter Pequim num arcabouço jurídico mais capitalista.
A retórica da Casa Branca levou o então diretor-geral da OMC, o brasileiro Roberto Azevêdo, a correr para tentar desativar a bomba. Em sua primeira visita à nova administração, em Washington, Azevêdo argumentou junto ao novo representante comercial dos EUA (USTR), Robert Lighthizer, que sair da OMC não ajudaria ninguém, nem a organização nem os americanos, e o melhor caminho seria promover mudanças de dentro.
O diretor da OMC falou que não havia antiamericanismo na entidade. E que os EUA, pelo seu papel central, eram essenciais no reforço do disciplinamento das regras multilaterais do comércio. Insistiu sobre a importância de previsibilidade no comércio. E que, sem a OMC, até a busca de Trump por regras que colocassem novos parâmetros no relacionamento comercial com a China ficaria mais difícil.
No começo do encontro Lighthizer foi muito cético, mas com a evolução da conversa ele mais ouviu do que falou e avisou que iria refletir.
Algumas semanas depois, Lighthizer e Azevêdo tiveram outra reunião, dessa vez à margem de uma conferência na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Economico (OCDE), em Paris, a pedido do negociador comercial de Trump.
Lighthizer disse que tinha entendido o raciocínio do diretor da OMC e avisou que os EUA não iriam abandonar a organização. E continuariam conversando sobre como reformar o sistema multilateral de comércio – pelo menos por enquanto.
O governo Trump passou a adotar uma estratégia diferente. Não abandonou a OMC, mesmo com as carências vistas por Washington, e procurou expor dentro da organização as práticas supostamente desleais da China, na tentativa de convencer os outros membros sobre seus argumentos.
Apesar de movimentos que causaram danos ao sistema multilateral, como o
progressivo bloqueio do Órgão de Apelação da OMC, a administração Trump nunca abandonou completamente a OMC, como fez com a Unesco. Washington também continuou pagando pontualmente as contribuições à entidade, enquanto atrasava o dinheiro devido às Nações Unidas. Segundo relatos, Azevêdo suou a camisa para tentar convencer os EUA a ficar nessa postura e evitar o pior.
Em janeiro de 2018, Trump partiu para a ofensiva e lançou sua guerra comercial contra a China aplicando sobretaxas de forma totalmente unilateral alegando segurança nacional e ignorando as regras da OMC. Isso causou retaliação de Pequim e de outros parceiros também afetados, como União Europeia (27 países), Japão, México, Canadá, Noruega, Rússia e Turquia.
Lighthizer alegou que a guerra de Trump era necessária, porque a China continuava a não respeitar as regras, e insistiu que o sistema comercial não era bom o suficiente para disciplinar os chineses.
Trump voltou aos ataques publicamente e reclamou que a OMC sempre decidia contra os EUA (o que não é verdade). Ele relatou ao jornalista Bob Woodward, do Washington Post, que telefonou para Azevêdo dizendo que iria sair mesmo da OMC. Woodward publicou em aspas trechos da fala de Trump no dito telefonema, em livro que publicou em 2020.
Indagado, Azevêdo negou a existência desse telefonema. Isso jamais aconteceu. A única vez em que Trump conversou com Azevêdo foi em janeiro de 2020 em Davos, à margem do Fórum Mundial de Economia.
O diretor da OMC, sabendo da imprevisibilidade de Trump, não via qualquer cenário positivo em buscar contato direto.Temia que o presidente, impulsivo e mediático, usasse a ocasião para piorar o relacionamento com o sistema comercial, e anunciar publicamente alguma opção indo de cortar os pagamentos à OMC a até anunciar a saída da entidade.
Agora, em janeiro próximo, Trump estará de volta à Casa Branca com seu fiel
escudeiro Lighthizer, um dos mais radicais protecionistas no campo trumpista.
Para alguns observadores, o céu é o limite para o unilateralismo alimentado na
equipe Trump, pelo menos no discurso. Se a opção dessa vez for de sair da OMC, significa que os EUA engavetariam de vez os escrúpulos jurídicos para retaliar seus parceiros impondo tarifas unilateralmente e mais sobretaxas antidumping e antisubsídios para proteger e apoiar os produtores americanos. (Opinião/Assis Moreira/Valor)
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