Sexta-feira, 13 de dezembro de 2024

Sexta-feira, 13 de dezembro de 2024

Voltar Saiba por que Kamala Harris perdeu a eleição para Donald Trump

Antes mesmo de consumar-se nas urnas, a derrota de Kamala Harris para Donald Trump, na eleição presidencial dos EUA na semana passada, já ganhara nos cinemas sua autópsia fílmica, no documentário “Carville: Winning Is Everything, Stupid” (Carville: vencer é tudo, estúpido), de Matt Tyrnauer. A campanha eleitoral da candidata democrata não está no filme, que se encerra precisamente em 21 de julho passado, quando o presidente Joe Biden desistiu de tentar a reeleição, mas a mais que tardia substituição já ajuda a entender o fracasso.

O retrato do estrategista político James Carville não poderia ser mais oportuno. Carville se consagrou ao liderar a equipe de planejamento da triunfante campanha presidencial de Bill Clinton em 1992. O
documentário clássico sobre os bastidores daquela disputa, “The War Room” (1993), dirigido no calor da hora por D. A. Pennebaker e Chris Hegedus, já o apresentava como o mais excêntrico protagonista.

Tyrnauer alterna o filme entre um eixo público e outro privado. Na atual vida cotidiana, Carville dedica-se a uma rotina intensa de viagens para palestras e entrevistas e ao casamento com a também estrategista política, mas dos republicanos, Mary Matalin, numa relação iniciada na época em que ocupavam posições similares em campos opostos do embate de Clinton contra o então presidente George W. Bush. Mesmo distante do dia a dia das campanhas, acompanha-se seu engajamento nos debates referentes à campanha presidencial do Partido Democrata. Trechos certeiros de “The War Room” estabelecem o paralelo entre as disputas de 1992 e 2024.

Um registro de arquivo recupera Carville em plena “sala de guerra” da campanha de Clinton, sustentando num quadro o trio de mensagens cruciais para derrotar Bush. Um: “mudança versus mais do mesmo”. Dois: “a economia, estúpido” – a fórmula que entrou para o vocabulário eleitoral planetário. Três: “não esqueça da assistência médica”.

Nas filmagens contemporâneas em que aborda o confronto originalmente entre Biden e Trump, Carville surge como um dos pioneiros e mais enfáticos críticos da nova candidatura do atual presidente, enfatizando o peso da idade (para os dois concorrentes, frise-se). De quebra, ele soa ainda um alerta frente à sensação de distanciamento entre o discurso eleitoral democrata e as preocupações cotidianas da América profunda. Bingo, duas vezes, como confirma a retumbante vitória eleitoral dos republicanos, com Trump retornando à Casa Branca em janeiro próximo com uma vigorosa base nas duas casas do Legislativo federal.

O documentário foi reeditado para incluir como a presciente resistência de Carville à candidatura Biden se concretizou com a renúncia em julho, a partir da constrangedora performance do presidente no debate com Trump três semanas antes. A vice-presidente Kamala Harris entrou na arena eleitoral com apenas três meses para firmar-se na conjuntura mais polarizada talvez da história. Entre 1992 e 2024 há, entre tantos, um abismo de civilidade, datando o tripé da triunfal campanha de Clinton, mas ele continua didático para iniciar-se a análise da derrota de Harris.

Começando pelo terceiro, assistência médica, se o estabelecimento do Obacamare em 2010 amenizou parcialmente a questão, a cruel revogação pela Suprema Corte dos EUA, em 2022, do direito federal ao aborto, que fora estabelecido em 1973 pela decisão Roe versus Wade, deflagrou uma crise de saúde pública feminina combatida como uma das prioridades centrais da campanha de Harris. Quanto à “economia, estúpido”, o impacto do pico inflacionário em consequência da pandemia de covid, no primeiro período da administração Biden, parece ter sobrepujado para o eleitorado a robusta recuperação econômica conquistada na metade final do mandato.

Por fim, “mudança versus mais do mesmo” foi outra pedra no sapato da qual a vice-presidente, talvez por excessiva fidelidade, não soube se desvencilhar. E Carville, sabemos, não foi o primeiro a frisar a força da bandeira eleitoral de “mudança”, sobretudo em tempos instáveis.

Exibido uma semana antes do pleito pelo Instituto Moreira Salles-SP, o ensaio de arquivo “Propaganda Política: 1952-2024”, atualizado a cada disputa desde 1984 por Antoni Muntandas e Marshall Reese, comprova seu forte apelo nos comerciais televisivos dos candidatos presidenciais dos EUA. Já no primeiro clipe, há 72 anos, eilo em “Eisenhower Responde à América”. “É tempo para uma mudança”, afirma para a câmera o candidato republicano que bateu Adlai Stevenson e encerrou um ciclo de duas décadas de administrações federais democratas.

Richard Nixon, em 1968, Jimmy Carter, em 1976, Ronald Reagan, em 1980, Bill Clinton, em 1992, e Barack Obama, em 2008, aplicaram com sucesso a fórmula. Em 2016, com surpresa, e agora, desgraçadamente, Donald J. Trump somou-se à lista. (Opinião/Amir Labaki/Valor Econômico)

Voltar

Compartilhe esta notícia:

Deixe seu comentário

No Ar: Show Da Manhã