Quinta-feira, 16 de janeiro de 2025
Por Redação Rádio Caiçara | 9 de julho de 2022
Poder de deputados e senadores para destinar verbas vem crescendo desde 2015 e já responde por 24% da despesa federal não obrigatória. Debate sobre o tema foi reaceso com revelação do chamado Orçamento secreto. A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2023, que será votada nos próximos dias pelo Congresso, pode aprofundar a tendência atual de transferir do governo federal para deputados e senadores o poder de decidir onde devem ser gastas verbas públicas, por meio de emendas parlamentares.
Essa trajetória foi iniciada em 2015, durante o confronto entre a então presidente, Dilma Rousseff, e o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e vem se aprofundando. Neste ano, o valor das emendas parlamentares no Orçamento representa 24% das despesas discricionárias (não obrigatórias) do governo federal, contra 4,3% de cinco anos antes, segundo cálculo do economista Marcos Mendes, do Insper. Comparadas ao total de investimentos federais, as emendas respondem por cerca de metade do valor.
A transferência de poder do governo federal para os congressistas tem implicações que vão além do destino das verbas. Repercute na qualidade e na fiscalização do gasto, na capacidade de o país definir prioridades estratégicas e na governabilidade do presidente – que segue sendo politicamente responsável pelo resultado das políticas públicas, mas vê sua margem para executá-las cada vez mais reduzida, segundo especialistas consultados pela DW.
As emendas parlamentares são alterações que os congressistas fazem no Orçamento para destinar verbas a uma determinada localidade, em geral às suas bases eleitorais. Novas regras aumentaram o peso das emendas no Orçamento, e a depender dos líderes do Congresso, a LDO de 2023 ampliará ainda mais o controle dos congressistas sobre o destino de recursos federais. A bola da vez é tornar obrigatória a execução das chamadas emendas de relator (definidas pelo congressista escolhido como relator-geral do Orçamento).
Como funcionam
Há quatro tipos de emendas parlamentares. As individuais (indicadas por um congressista específico), de bancada (atendem às bancadas de cada unidade da Federação), de comissão (solicitadas por esses órgãos colegiados do Congresso) e de relator.
Até o primeiro governo Dilma, as emendas individuais eram incluídas pelos congressistas no Orçamento, mas a liberação da verba dependia do aval do Palácio do Planalto. Como resultado, nem todas eram executadas, e o presidente de ocasião as usava para negociar o apoio de parlamentares ao governo.
Em 2015, durante o conflito entre Dilma e Cunha, que liderava o Centrão, o Congresso aprovou uma emenda constitucional que tornou as emendas parlamentares impositivas, ou seja, de execução obrigatória. Em 2022, cada deputado ou senador teve direito de apresentar até 25 emendas, no valor total de R$ 17,6 milhões. Somando todos os congressistas, são R$ 10,5 bilhões.
Em 2019, outra emenda constitucional aprovada pelo Congresso fez com que as emendas de bancada também se tornassem impositivas. Para 2022, estavam reservados no total R$ 7 bilhões para as emendas de bancada – os congressistas aceitaram reduzir para R$ 5,7 bilhões, em troca de usar a sobra de R$ 1,3 bilhão no fundão eleitoral.
Também a partir de 2019, a verba das emendas parlamentares pôde começar a ser direcionada diretamente para o caixa de municípios ou de estados, sem vinculação a um projeto específico. Essa prática foi apelidada de “emenda Pix”. Os recursos podem ser usados inclusive, por exemplo, para contratar shows de músicos, e a fiscalização federal sobre o destino da verba é dificultada.
Emendas de relator
A invenção mais recente para ampliar o poder dos congressistas sobre as verbas federais foram as emendas de relator, que são incluídas pelo relator-geral do Orçamento. Essa modalidade esteve por trás do escândalo dos Anões do Orçamento, revelado em 1993. Para evitar novos esquema do tipo, o Congresso modificou as regras na década de 1990, e as emendas de relator passaram a ser usadas apenas para pequenas correções na peça orçamentária.
Isso mudou em 2020, no segundo ano do governo Jair Bolsonaro, quando uma nova regra autorizou que as emendas de relator, agora sob o código RP-9, pudessem ser usadas para incluir altas somas no Orçamento, em sua maioria para beneficiar congressistas alinhados ao Planalto.
Como as emendas individuais já eram impositivas, as emendas de relator viraram uma nova forma de o governo – em coordenação com o Centrão – distribuir recursos para quem o apoiasse, mas de forma muito menos transparente, pois essas emendas não incluíam o nome do congressista responsável pelo pedido nem eram divulgadas de modo sistematizado.
No final do ano, uma regra passou a exigir a indicação do nome da pessoa interessada na emenda. Mas, além do nome do congressista, é admitido também um “usuário externo”, ou seja, outra pessoa física interessada, o que esconde o padrinho político.
Em 2022, o Orçamento prevê R$ 16,5 bilhões para emendas de relator. Sua liberação depende do aval do Planalto, que usa o instrumento para obter apoio, como por exemplo para a aprovação da PEC que amplia benefícios sociais e estabelece o estado de emergência no país às vésperas da eleição.
A comissão mista de Orçamento incluiu no projeto de LDO de 2023 uma regra que torna as emendas de relator também de execução obrigatória a partir do ano que vem, quando a previsão é de R$ 19 bilhões para essa rubrica. É esse texto que será votado pelo Congresso nos próximos dias. A proposta foi criticada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pré-candidato ao Planalto, e deputados da oposição ajuizaram um mandado de segurança no Supremo contra a iniciativa.
Os congressistas que defendem a ampliação das emendas argumentam que se trata de um instrumento legítimo para atender às necessidades da população, como, por exemplo, construir uma ponte ou comprar ambulâncias e tratores.
Alguns deputados e senadores também dizem conhecer melhor as necessidades do povo do que o governo, pois têm contato frequente com suas bases.
Governabilidade
Outro aspecto problemático do aumento do peso das emendas é o impacto na governabilidade do país. De acordo com o desenho institucional brasileiro, o Executivo é responsável pelos resultados das políticas públicas, mas os instrumentos para executá-las estão migrando para o Legislativo, “que decide sobre os gastos mas tem pouca responsabilidade sobre as consequências”.
Do ponto de vista dos congressistas, contudo, os incentivos atuais são para destinar ainda mais verbas, pois isso os fortalece na relação com suas bases e deixa prefeitos locais dependentes de sua atuação em Brasília. “Isso leva a mais instabilidade, pois o equilíbrio político que a gente construiu é muito tênue.”
No Ar: Show da Tarde