Segunda-feira, 02 de dezembro de 2024

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Voltar Sem a China, a situação da Argentina seria mais grave do que já é; os empréstimos foram um salva-vidas

A Argentina que chega às urnas neste domingo, em meio à deterioração generalizada da atividade econômica e com o peso em franco derretimento, é um país que ainda cumpre suas obrigações internacionais graças à China, que se transformou no emprestador de última instância aos argentinos.

Com as reservas do Banco Central no seu pior nível desde 2006 (cerca de US$ 21 bilhões), o yuan, moeda que os chineses buscam internacionalizar, foi disponibilizado num empréstimo de swap cambial – operação que consiste na troca de um valor de determinada moeda por outra – e usado pela Casa Rosada para pagar o serviço da dívida de US$ 44 bilhões que tem com o Fundo Monetário Internacional (FMI).

A situação do BC, um dos sintomas mais evidentes da fragilidade econômica atual e o maior desafio para o presidente a ser eleito neste domingo, lembra um passado nada distante na memória nacional.

Evitar o esgotamento das reservas do país foi o argumento do ex-presidente Néstor Kirchner (1950-2010) para decretar o calote de 2005. A ex-presidente Cristina Kirchner, viúva de Néstor e atual vice de Alberto Fernández, defendeu repeti-lo neste ano. Agora, contudo, não foi preciso. Graças à China.

“Os créditos swap concedidos pelo Banco do Povo de Pequim são uma novidade absoluta nesse tipo de empréstimo pela China. Até agora eles eram empregados para acordos comerciais. No caso da Argentina, o empréstimo está sendo usado para a estabilidade cambial, principal razão da crise. Nesse aspecto, é uma inovação”, afirmou ao Valor o analista internacional argentino Jorge Castro, especializado na relação entre os dois países.

Depois do Brasil, a China é o principal parceiro comercial dos argentinos. Há 30 anos, os asiáticos ocupavam a 14ª posição.

O uso do yuan pelo BC argentino começou em 2014, no penúltimo ano do segundo governo de Cristina (2007-2015), e se acentuou nos últimos anos, em governos de esquerda ou de direita. Há dois anos, a moeda chinesa já era responsável por metade das reservas argentinas. O BC incluiu o yuan como ativo da reserva internacional muito antes do reconhecimento da moeda chinesa pelo FMI em sua cesta de referência, o que só ocorreu a partir de 2016.

O presidente Fernández foi o responsável pelo mais recente acerto entre os dois países, em junho, uma linha de swap de US$ 18 bilhões e liberado em parcelas.

Em razão do alto endividamento, a Argentina não tem acesso ao crédito internacional, e a relativa estabilidade conquistada neste ano depende diretamente do crédito chinês. O apoio de Pequim a Buenos Aires se traduz ainda em investimentos a centenas de projetos em diversas áreas, como mineração, agronegócio, infraestrutura, transportes e energia.

Os investimentos são destinados, por exemplo, para aquisição de trens do metrô de Buenos Aires, a construção de hidrelétricas, parque solar e até o desenvolvimento de um “sistema de segurança pública” em Jujuy, uma das 23 províncias do país. Somando essas dívidas à outra, contraída via linha de swap cambial, a cifra é estimada de modo conservador por analistas argentinos ouvidos pelo Valor em ao menos US$ 30 bilhões.

“A China criou um sistema de endividamento muito sutil e eficaz, porque também financia projetos em diferentes províncias da Argentina. Esse financiamento acontece por meio de bancos chineses e está mais regulado, mas essa dívida vai se subdividindo e fica muito mais complexa de aferir um montante total”, afirma Felipe Natalini Goyeneche, do Museu da Dívida Externa Argentina, uma instituição sui generis, ligada à Universidade de Buenos Aires, que documenta o drama da dívida, um tema delicado desde a última ditadura militar (1976-83).

Desde 2013, quando Xi Jinping assumiu a presidência da China, o país reforçou ainda mais o protagonismo como financiador internacional, aportando recursos em especial dentro do megaprojeto da chamada Nova Rota da Seda (“One Belt, One Road”, ou Iniciativa do Cinturão e Rota), na qual a Argentina é signatária (o Brasil, não). A partir de 2024, o país vizinho também será parte do Brics, adesão que teve o apoio do presidente Lula, mas que era do interesse de Pequim.

Os chineses tornaram-se conhecidos pela ajuda a países em desenvolvimento com sérios problemas econômicos, como Laos, Paquistão ou Angola. A Argentina, contudo, oferece um atrativo geopolítico muito superior: é integrante do G20, que reúne as principais economias do mundo, e tem um mercado que oferece recursos naturais escassos na China, como na área de alimentos, petróleo e mineração.

Com a acirrada disputa pela Presidência, o futuro dessa relação também está em jogo.

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