Quarta-feira, 15 de janeiro de 2025
Por Redação Rádio Caiçara | 18 de março de 2022
A União Europeia abriu aos refugiados ucranianos portas fechadas no passado a muitas outras nacionalidades. Mas o verdadeiro desafio de boas-vindas começa agora. Os países de acolhida terão de construir uma série de políticas públicas e sociais para garantir integração efetiva a um grupo que escapa do padrão típico da família que precisa migrar.
Em fuga da Ucrânia estão idosos, crianças e mulheres que chefiam famílias sozinhas que vão demandar programas governamentais específicos em saúde, educação e trabalho. E isso em um cenário europeu de países com perfil demográfico mais velho ou não tão afeitos a políticas voltadas para migrantes.
“O grande desafio não é apenas conceder documentação, mas garantir realmente o acesso à escola, educação, sistema sanitário, ao mercado de trabalho, à cultura, à vida econômica e política do país. A começar com o acolhimento dessas pessoas para aprender o idioma local, fator importante de inclusão na sociedade, e com o acesso a recursos de alugueis para moradia. Essas pessoas vão precisar um lugar para morar”, afirma Leonardo Cavalcanti, professor da Universidade de Brasília (UnB) e coordenador científico do Observatório das Migrações Internacionais.
O perfil particular dos refugiados ucranianos — mulheres, crianças e idosos — impõe dificuldades extras, que esbarram na problemática política do cuidado na Europa.
“As mulheres terão de ser integradas no sistema de trabalho, mas para isso vão precisar passar antes por sistemas de assistência social que garantam moradia, escola para os filhos. E ainda serão necessárias políticas para evitar que esses grupos enfrentem cenários de criminalidade, como tráfico de mulheres e crianças, que não são incomuns na região”, diz Luís Renato Vedovato, pesquisador do Observatório das Migrações em São Paulo, da Unicamp.
Diversidade na acolhida
A adoção de políticas mais abertas à população que chega deve variar de acordo com o país de acolhida. Isso significa que países normalmente mais próximos à Ucrânia, como a Polônia, podem sinalizar com programas mais inclusivos do que a vizinha Hungria, por exemplo, onde o discurso xenofóbico tem crescido. Mas ainda há desafios econômicos, e tudo dependerá também de quanto mais se estender a guerra – o que significaria também mais tempo de acolhimento dessas pessoas.
“Não podemos descartar que tanto na Polônia quanto na Eslováquia há grande problema de desemprego. Muitos de seus habitantes buscam trabalho nos outros países da União Europeia. Haverá então um desafio de como fazer a economia do país crescer para absorver esses migrantes, exigindo novos investimentos da UE nesses lugares ou a certeza de que esses países serão apenas passagem para outros países do bloco”, afirma Vedovato.
Para que essas políticas funcionem na prática, parte do orçamento dos países também deveria ser destinado à sensibilização da população local para a chegada dos refugiados. Isso porque não é raro que movimentos xenófobos se sigam à adoção de políticas favoráveis aos migrantes.
Foi assim na Alemanha com a migração síria: um dos países mais abertos a receber essa população viu os movimentos de ultradireita se intensificarem depois do aceno da chanceler federal Angela Merkel à recepção de sírios no país. No caso dos ucranianos, o cenário ainda é nebuloso.
“O primeiro passo eficaz que já foi aplicado é o corredor humanitário, que garante a saída de civis da Ucrânia e garante a chegada de itens de primeira necessidade. Já a próxima etapa é organizar uma permanência mais longa para os refugiados”, afirma Manoel Nabais de Furriela, mestre em Direito Internacional pela USP e vice-presidente acadêmico da FMU.
Ao mesmo tempo, a Comissão Europeia anunciou a decisão de fornecer proteção temporária para os refugiados ucranianos. Mas ainda é cedo para saber até onde a determinação, por si só, garantirá integração de fato.
Da fronteira da Ucrânia com a Hungria, a pesquisadora Lydia Gall escreveu um artigo para a organização Human Rights Watch em que se dizia impressionada com a movimentação de voluntários e ajuda humanitária. Por outro lado, ressaltou, parece menos evidente o que o governo húngaro tem feito ou planeja fazer em relação à integração dos refugiados ucranianos.
“Pode ser que as autoridades húngaras estejam contando que os ucranianos se moverão a outros países da UE, mas é fato que os que estão chegando da guerra precisam de informação e suporte específico já”, escreve. “Nos últimos sete anos, a Hungria tem desmantelado seu sistema de concessão de refúgio, tornando quase impossível esse processo. Atualmente, o país tem apenas dois centros de recepção para solicitantes de refúgio”.
No Ar: Clube do Ouvinte