Quinta-feira, 12 de dezembro de 2024

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Voltar Os efeitos de pequenas doses de psicodélicos na saúde mental

Depressão e ansiedade são comuns na família do americano Joseph, e ele recebeu Prozac quando criança. Mas quando os sintomas da depressão retornaram aos 30 e poucos anos, ele não quis voltar para um medicamento prescrito. Há cinco anos, começou a tomar microdoses de psicodélicos para tentar melhorar sua saúde mental.

O designer se deparou com pesquisas da Universidade Johns Hopkins sobre psilocibina, o ingrediente ativo em alucinógenos e cogumelos. Em um pequeno estudo, doses da droga ajudaram pacientes com câncer a lidar com a depressão e a ansiedade. Depois leu relatos de influenciadores do Vale do Silício alegando aumento de energia ao tomar pequenas doses de psicodélicos. Decidiu começar a tomar microdoses algumas vezes por semana, comendo um “pequeno petisco” – cerca de 1,3 centímetro – de cogumelo. Quase que imediatamente ele começou a ver um benefício. “Aumentou minha moral, melhorou meu humor, tinha mais ânimo e passei a me divertir mais”,  conta.

A microdosagem é, na definição de especialistas, como tomar de 5% a 10% de uma dose completa de um psicodélico, geralmente LSD ou psilocibina, como forma de obter os supostos benefícios da droga à saúde mental sem o efeito alucinógeno. Por exemplo, em um ambiente clínico, um homem de 70 kg pode tomar 20 miligramas de psilocibina para uma experiência psicodélica. Na microdose, ele tomaria apenas um a dois miligramas. Nesse padrão, tomado várias vezes por semana, alguns afirmam que as drogas melhoram o humor, aumentam a criatividade e deixam o mundo mais brilhante, como se estivesse em alta definição.

“É como andar lá fora e o sol de repente aparecer. Te lembra que você é uma pessoa que pode sentir coisas positivas e notar as coisas que são bonitas”, explica Erin Royal, de 30 anos, uma garçonete de Seattle que toma uma ou duas vezes por semana microdoses de cogumelos mágicos que ela coleta nas florestas próximas.

Na prática, apenas cerca de um terço das pessoas que tomam microdoses medem cuidadosamente a quantidade do psicodélico: a maioria toma apenas o suficiente para começar a sentir alguns efeitos, que geralmente começam depois de uma hora e duram de quatro a seis horas. Isso requer algumas tentativas e erros – principalmente ao comer cogumelos, que podem variar na concentração de psilocibina.

O efeito colateral negativo mais relatado da microdosagem é tomar acidentalmente demais, o que não é perigoso, mas pode ser inconveniente. Os pesquisadores também dizem que doses repetidas e frequentes de um psicodélico podem, teoricamente, estressar o coração.

A pesquisa sobre os benefícios de psicodélicos para a saúde mental é promissora, e um estudo em fase inicial descobriu que a psilocibina, em altas doses, pode ser tão eficaz quanto um inibidor seletivo da recaptação de serotonina no tratamento da depressão. Doses completas de psicodélicos ajudam o cérebro a desenvolver novas conexões celulares, um processo chamado neuroplasticidade, e há algumas evidências de que microdoses produzem mudanças semelhantes.

Muitos dos cientistas pioneiros na pesquisa com doses completas de psicodélicos começaram a estudar se microdoses também podem ser benéficas. Mas as evidências são limitadas e os especialistas estão divididos sobre como ela ajuda as pessoas – ou se ajuda.

Grande parte da pesquisa inicial sobre microdosagem foi anedótica, consistindo em respostas entusiásticas de usuários. Estudos de laboratório de microdoses de psilocibina e LSD tendem a apoiar essas alegações, mostrando melhorias no humor, atenção e criatividade. Mas esses estudos geralmente foram pequenos e não compararam uma microdose a um placebo.

Efeito placebo

“Você só participa de um teste de microdosagem se realmente acredita que isso pode ajudá-lo. Quando as pessoas esperam se beneficiar de um medicamento, elas normalmente o fazem”, afirma David Erritzoe, diretor do Centro de Pesquisa Psicodélica do Imperial College de Londres.

Os dois maiores ensaios controlados foram publicados no ano passado e ambos sugerem que os benefícios que as pessoas experimentam são do efeito placebo. Nos estudos, os voluntários usaram seus próprios medicamentos para participar e, sem que soubessem, receberam doses ativas ou placebo embalados em cápsulas idênticas. Ao final, o humor e o bem-estar de quase todos melhoraram, independentemente do que haviam tomado.

“Fiquei um pouco desapontado com os resultados, porque quando montamos o estudo estávamos bastante otimistas de que a microdosagem poderia ter um efeito além de um placebo”, diz Michiel van Elk, professor de psicologia cognitiva da Universidade de Leiden, na Holanda.

Um terceiro estudo controlado por placebo, publicado no início deste mês pela Universidade de Chicago, tentou contornar as expectativas dos usuários dando aos participantes quatro microdoses de LSD ao longo de duas semanas, mas sem lhes dizer sobre o objetivo do estudo ou o que estavam tomando. Mais uma vez, não houve diferença entre os grupos LSD e placebo.

Ainda assim, alguns cientistas apontam evidências de que a microdosagem tem um impacto direto no cérebro para atestar que seus benefícios são reais. Usando a tecnologia de neuroimagem, os pesquisadores mostraram mudanças na atividade cerebral e na conectividade após pequenas doses únicas de LSD. E um estudo na Dinamarca descobriu que uma microdose de psilocibina ativou quase metade dos receptores de serotonina nos quais os psicodélicos atuam para produzir seus efeitos alucinógenos.

“Eu não diria que é tudo placebo. É uma droga ativa. Vemos mudanças cerebrais que são um pouco como o efeito de alta dose, o que sugere que as doses menores estão agindo nos mesmos sistemas. Mas não estou particularmente otimista”, diz Harriet de Wit, professora da Universidade de Chicago.

 

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