Terça-feira, 15 de outubro de 2024
Por Redação Rádio Caiçara | 30 de dezembro de 2022
Na segunda-feira (26), o Supremo Tribunal Federal (STF) anunciou duas importantes mudanças em seu Regimento Interno, que corrigem graves distorções no funcionamento da Corte. De acordo com a Emenda Regimental (ER) 58/2022, aprovada por unanimidade pelos ministros do Supremo, o pedido de vista deverá ser devolvido no prazo de 90 dias, contado da data da publicação da ata de julgamento. Após esse período, o processo será automaticamente liberado para a análise dos demais ministros.
A segunda alteração bastante significativa refere-se ao processamento das decisões liminares monocráticas, que deverão, a partir do ano que vem, ser submetidas a referendo do Plenário ou da Turma, a depender da competência do caso. Segundo a ER 58/2022, o referendo deve ser realizado preferencialmente em ambiente virtual. Em caso de a medida de urgência resultar em prisão, a deliberação pelo colegiado deve ser presencial.
Colegialidade
A ER 58/2022 revela que os ministros do Supremo entenderam a necessidade de fortalecer a colegialidade da Corte. De forma muito direta, as duas alterações regimentais retiram poder individual dos ministros, que já não poderão travar indefinidamente o julgamento de processos por meio de pedidos de vista intermináveis – o atual Regimento Interno não prevê consequências para o descumprimento do prazo de vista – e não mais estarão aptos a definir sozinhos as medidas de urgência sobre os casos do STF. Toda liminar terá de ser avaliada imediatamente por um colegiado – pelo Plenário ou pela Turma.
Certamente essas mudanças no Regimento Interno poderiam – e deveriam – ter vindo antes. Era uma verdadeira fissura antirrepublicana no funcionamento da Corte que um único ministro do STF pudesse impedir, porque assim lhe aprazia, a conclusão de um julgamento, mesmo nos casos em que já havia maioria formada. Tal distorção era uma evidente fragilidade do Supremo, que ficava refém da vontade de um único ministro. Uma instituição colegiada não pode funcionar dessa forma.
Era também uma completa disfuncionalidade que um único ministro pudesse impor, por meio de uma liminar não referendada pelo colegiado, consequências duradouras sobre todo o País. O caso mais famoso desse poder despótico talvez seja o conjunto de liminares do ministro Luiz Fux concedendo auxílio-moradia de R$ 4,3 mil a todos os juízes e membros do Ministério Público. Concedidas em 2014, essas liminares foram revogadas apenas em novembro de 2018, após um acordo sobre aumento salarial das carreiras jurídicas. Eis uma das muitas consequências daninhas da antiga permissividade regimental: a competência judicial de proferir decisões, quando não submetida a devido controle, facilmente se converte em um ilegítimo poder político.
Não o único
O caso do auxílio-moradia é escandaloso, mas não é o único. Em janeiro de 2020, o ministro Luiz Fux suspendeu a implementação do juiz das garantias, que foi aprovada no ano anterior pelo Congresso. Até hoje, não há decisão colegiada do STF sobre a liminar. No mês passado, o caso foi a julgamento no plenário virtual da Corte, mas o ministro Gilmar Mendes pediu vista.
Ao reduzir o poder individual de seus ministros e intensificar sua colegialidade, o STF descortina, com a ER 58/2022, um caminho viável e acessível para a preservação e o fortalecimento de sua autoridade. Há muitas críticas injustas e muita desinformação a respeito do Supremo por parte de quem não se conforma com o Estado Democrático de Direito e com a Constituição de 1988. Felizmente o STF, ignorando esses achaques, tem cumprido valentemente seu papel constitucional. No entanto, tudo isso não obnubila o fato de que a própria Corte tem muito a melhorar na efetividade de sua prestação jurisdicional em defesa da Constituição. E esses avanços só são obtidos enfrentando, de forma concreta, as distorções e desequilíbrios, como fez a presidente do STF, ministra Rosa Weber, com a ER 58/2022.
A defesa da autoridade e da colegialidade do Supremo é parte essencial da missão dos ministros da Corte em defesa da Constituição.
No Ar: Show Da Madrugada