Segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

Segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

Voltar O movimento contra o feminismo que divide mulheres envangélicas

Conforme o feminismo avançava pelo Brasil nas últimas décadas, um grupo de fiéis evangélicas organizou uma reação.

Baseando-se em interpretações bíblicas sobre o papel da mulher no casamento e sobre o aborto, essas mulheres passaram a abraçar um movimento contrário, o antifeminismo, e a difundir suas ideias em igrejas, congressos e redes sociais.

Mas essa contra-ofensiva já vive fissuras dentro do próprio universo cristão, conforme jovens evangélicas passam a contestar essas interpretações da Bíblia e a demonstrar afinidade com algumas bandeiras feministas.

Muitas das brasileiras que militam contra o feminismo nas redes sociais — algumas delas com centenas de milhares de seguidores — costumam se classificar em seus perfis também como cristãs, conservadoras e apoiadoras de Jair Bolsonaro.

Uma delas é a dona de casa Ingrid Lobato, de 28 anos. Ela diz que passou a militar contra o feminismo em 2016, quando houve o impeachment da então presidente Dilma Rousseff.

“Ali foi levantada muito forte uma narrativa do feminismo que dizia que a presidente estava sendo impichada por ser mulher, quando, na verdade, não, é porque ela era incompetente mesmo”, afirma.

Ingrid se casou aos 18 anos e é mãe de dois meninos. Frequenta igrejas evangélicas desde criança e teve os primeiros contatos com o feminismo quando fazia faculdade de ciências contábeis.

Ela diz que se opôs ao movimento desde o início por conta da posição de feministas sobre o aborto. Uma das principais bandeiras do feminismo é que mulheres devem ter o direito de abortar.

Outra questão que fez Ingrid se afastar do feminismo é pessoal. Filha de pais separados e criada pelo pai , ela diz se sentir incomodada quando feministas apontam os homens como vilões.

“Eu conheço muitos homens bem casados que dão a vida pelas suas famílias. E meu pai, ele não foi um pai perfeito, mas ele assumiu ali a responsabilidade. Ele enfrentou coisas que a minha mãe, por alguma razão, não fez.”

Anti-antifeministas

Nem todas as mulheres religiosas acham que cristianismo e feminismo são inconciliáveis. Com 22 anos e mais de 30 mil seguidores no TikTok, a evangélica Thaís Cerqueira era tão dedicada à igreja que foi convidada a dar aulas sobre a Bíblia para fiéis mais jovens.

Mas ela tinha um desconforto. Ao mesmo tempo em que considerava o Cristianismo o norte de sua vida, ela se incomodava quando pastores minimizavam comentários que ela fazia sobre a opressão às mulheres na sociedade.

“Se alguém tentasse falar sobre isso, era automaticamente tachado de feminista, então não existia uma posição muito sóbria”, afirma.

Conforme o desconforto crescia, Thaís passou a buscar teólogos evangélicos americanos que tinham outras visões sobre o lugar da mulher no cristianismo.

Como muitas dessas teorias jamais foram traduzidas para o português, ela passou a ler em inglês mesmo — e foi aprendendo a língua inglesa por conta própria, enquanto estudava os escritos.

Ela começou a divulgar nas redes sociais interpretações bíblicas que destoavam das que ouvia na igreja — como a ideia de que homens deviam ser os “provedores” da família.

Mas logo as postagens chamaram a atenção dos líderes da igreja.

“O meu pastor me chamou e falou para mim que eu tinha duas opções: eu tinha a opção de parar de falar ou sair. E aí eu falei: ‘Tá, então eu saio’.”

Após a ruptura, ela aprofundou os estudos sobre as mulheres no Cristianismo e passou a contestar a noção de que as esposas devem ser submissas aos maridos.

Thaís afirma que várias Igrejas, inclusive a Católica, já deixaram de interpretar literalmente aquele trecho das Cartas de Paulo.

Para ela, quando Paulo diz que as mulheres devem ser submissas, ele está sugerindo a cristãos como ele que seguissem os códigos impostos pelo Império Romano para evitar serem perseguidos pelo regime.

Afinal, ela afirma que, no Império Romano, mulheres não podiam ter cargos de liderança.

Outra crítica da Thaís às antifeministas trata da posição delas em relação ao aborto, ainda que ela seja pessoalmente contra a prática.

“Existe um problema muito grande, principalmente porque a grande parte dessas mulheres que chegam a realizar um aborto são, em sua grande maioria, pobres. E eu não consigo, como cristã, também dizer: ‘Não, elas precisam ser presas’”, afirma.

Para Thaís, o tema do aborto é o grande obstáculo à aproximação entre religiosas e feministas hoje. Ela diz que cristãs simpáticas ao feminismo que expressem ressalvas ao aborto são duramente reprimidas por feministas.

“Eu acho que precisaria um pouco mais de compreensão do lado feminista, porque a gente é formada com base em princípios um pouco diferentes”, afirma.

Sobre a disputa eleitoral, diz que “Bolsonaro tenta passar a imagem de que ele é cristão, mas ele na verdade não é”.

“Ele encontrou no meio cristão uma forma de angariar pessoas de forma muito maldosa”, afirma, citando as frequentes menções de Bolsonaro a trechos bíblicos.

Sobre Lula, Thaís diz discordar de suas “pautas morais”, mas que “para o momento político do Brasil, ele seria uma opção mais viável”.

 

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