Sábado, 27 de julho de 2024

Sábado, 27 de julho de 2024

Voltar O deserto na Califórnia onde os Estados Unidos abandonam imigrantes que conseguem entrar no país

“Quinta-feira”, diz em inglês a pulseira de papel azul que Marta usa no pulso. Semelhante às usadas em resorts caribenhos “all inclusive” ou em festivais de música, a Patrulha de Fronteira colocou-lhe quando a deixou aqui esta manhã.

A intenção é registrar o dia em que chegou. Porque a data de sua partida é incerta.

Há duas semanas, esta colombiana voou como turista de Cancún para a fronteira norte do México, para a zona da Baixa Califórnia onde termina abruptamente o muro de nove metros contruído por ordem de Donald Trump.

A intenção dela é atravessar para os Estados Unidos, entregar-se às autoridades e pedir asilo.

E hoje terá que passar a noite a céu aberto e com um vento que corta este trecho do deserto californiano, no meio do caminho entre San Diego e Calexico, a quilômetros da cidade mais próxima – Jacumba – e de qualquer estrada asfaltada.

Uma média de 500 migrantes fazem isso todos os dias desde maio, à espera de serem recolhidos para que os seus casos possam ser julgados.

Não se trata de um centro de detenção oficial, mas sim de uma espécie de sala de espera informal de um sistema saturado, segundo explicações da própria Alfândega e Proteção de Fronteiras (CBP, por sua sigla em inglês). Mas sair seria considerado um crime federal.

“Deixaram-nos no meio do nada, sem qualquer recurso”, lamenta a jovem enfermeira, esfregando as mãos para se livrar do frio. “E quem sabe até quando. Tem gente que passou até cinco dias aqui.”

Acampamentos sem infraestrutura

Eles o chamam de Camp Willow e é um dos três assentamentos na região.

Ainda que, para ser um acampamento, teria que haver uma infraestrutura mínima.

E a única coisa que se encontra entre os arbustos, os terrenos áridos e as rochas metamórficas típicas desta paisagem são dois banheiros químicos fornecidos pelas autoridades americanas e que são esvaziados uma vez por semana.

Também há meia dúzia de tendas cor-de-rosa doadas por organizações que defendem os direitos dos migrantes.

Theresa Chang é voluntária em uma delas, a Border Kindness.

Médica por profissão e advogada por formação, ela saiu de São Francisco em sua semana de folga para ajudar os voluntários locais que fornecem água e comida duas vezes por dia.

Sua tarefa é avaliar a saúde de quem espera aqui e ajudar caso alguém esteja passando por uma crise médica. Chang acaba de ver algo que a preocupa.

“Ela tem sintomas de danos cerebrais”, ela me conta sobre Yenis Leydi Arias, uma jovem de olhos negros profundos que se expressa com dificuldade.

“Saímos de Cuba com o sonho de vir para os Estados Unidos e vejam como chegamos: inválidos”, disse-me ela apenas, com frases cortadas e pausas cada vez mais longas.

Enquanto isso, Armando Cárdenas, um homem que carrega nos olhos a inquietação do Caribe em tempos de furacão, a ajuda a calçar os sapatos e a cobrir as pernas, que já não respondem, com um cobertor.

Para fazer isso, ele deixou de lado por um momento o andador que usa para se deslocar.

São as consequências mais visíveis de um acidente de trânsito que eles sofreram em Chiapas, no sul do México, o terceiro país em sua rota para o norte desde que deixaram para trás seu bairro de Havana, em setembro, para voar para a Nicarágua.

“Passei 25 dias inconsciente em um hospital em Huixtla. Quando acordei, me disseram que eu não conseguiria mais usar o braço”, explica. “E quebrei o fêmur e o quadril.”

Eu me pergunto como eles conseguiram percorrer os quase 4.000 km que separam as fronteiras sul e norte do país nessas condições, enquanto Chang tenta entrar em contato com a Patrulha da Fronteira para que os retirem.

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