Terça-feira, 11 de fevereiro de 2025
Por Redação Rádio Caiçara | 3 de setembro de 2023
O ministro da Justiça, Flávio Dino, ainda não havia completado um mês no cargo quando anunciou, no fim de janeiro, que havia determinado à Polícia Federal que investigasse a possibilidade de o ex-presidente Jair Bolsonaro ter cometido genocídio de povos ianomâmis durante seu governo. Dino mostrava ali uma prática que se repetiria com frequência nos primeiros sete meses deste ano. A atual gestão do Ministério da Justiça e Segurança Pública bateu recorde no número de pedidos de instauração de inquéritos à PF, corporação que é vinculada à pasta, com 78 investigações.
Os números indicam que, desde a nomeação de Flávio Dino, o ministério intensificou uma prática que havia crescido no governo Jair Bolsonaro, gestão responsável pelos três recordes anteriores, sendo 58 inquéritos no mesmo período em 2021. Esse tipo de demanda era bastante incomum antes de 2020, e especialistas atribuem essa mudança à polarização política do País.
Procurado, o ministério afirmou que metade dos inquéritos foi aberta por determinação direta de Dino, sendo 29 para investigar crimes contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e outros dez para apurar condutas com “repercussão interestadual ou internacional”. Essas são as duas hipóteses previstas na legislação para a pasta ordenar uma investigação.
As outras investigações são, de acordo com o ministério, “pedidos, e não determinação de inquérito, em face de crimes contra a honra de funcionário público federal”. “Não é, portanto, algo relativo ao ministro da Justiça e sim um direito de qualquer funcionário público federal”, diz, em nota. A PF informou que todas os procedimentos foram “oriundos de documentos enviados pela pasta”.
Polarização política
Especialistas da área de direito atribuem o aumento de vezes em que a PF foi demandada à polarização política. Eles alertam para o risco de as instituições serem usadas para fustigar adversários.
“É inegável que as autoridades políticas, tanto do governo Bolsonaro como do de Lula, têm atuado para combater frontalmente os adversários políticos. Se isso envolve algum abuso, somente pode ser avaliado caso a caso”, afirmou o jurista Marçal Justen Filho, especialista em Direito Público.
Em boa parte dos casos, Dino acionou a PF para entrar em campo em assuntos que atingem adversários da gestão petista. O ministro mandou investigar, por exemplo, as suspeitas envolvendo um kit de joias recebidos por Bolsonaro de autoridades da Arábia Saudita. Em outra ordem dada à corporação, determinou apuração sobre uma declaração do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) em um ato pró-armas em frente ao Congresso. Na ocasião, o parlamentar comparou professores a traficantes.
Essas apurações correm em sigilo, mas é possível saber o teor de parte delas porque, em alguns casos, o próprio Dino anunciou publicamente a ordem de abertura dos inquéritos.
Caso Marielle
Mas nem sempre o foco das ordens de Dino foram políticos. Ele também anunciou ter acionado a PF para apurar casos de repercussão nacional, como a existência de células neonazistas no Brasil e a manipulação de apostas esportivas no futebol brasileiro. Nos dois casos, já havia investigações abertas em órgãos locais, como a Polícia Civil e o Ministério Público.
Outra investigação que tramitava na esfera local é a que apura o assassinato da vereadora do Rio Marielle Franco (PSOL), ocorrido em 2018. Em junho, após a entrada dos agentes federais, o ex-policial militar Elcio Queiroz fechou um acordo de delação premiada, confirmando quem foi o autor dos disparos e incluindo novos personagens ao caso. A iniciativa foi considerada um trunfo por Dino.
Governo Bolsonaro
A prática de o Ministério da Justiça acionar diretamente a PF é recente. Entre 2013 e 2016, no governo de Dilma Rousseff, não houve nenhuma determinação. Nos anos Bolsonaro, parte do aumento é explicada pelos pedidos de investigação contra críticos do então presidente. Primeiro a comandar a pasta na gestão passada, o ex-juiz Sergio Moro, por exemplo, ordenou que a Polícia Federal ouvisse Lula após ele chamar Bolsonaro de “miliciano”.
Seu sucessor, André Mendonça, por sua vez, colocou a força policial atrás de jornalistas, professores universitários e um chargista. Ele também mandou investigar um sociólogo que instalou um outdoor, em Tocantins, dizendo que Bolsonaro “vale menos que um pequi roído”.
No ano passado, durante a campanha pelo segundo turno das eleições, o ex-ministro Anderson Torres determinou a investigação de institutos de pesquisa, reforçando a narrativa de Bolsonaro que contestava as sondagens eleitorais. A investigação acabou sendo suspensa pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
No Ar: Caiçara Confidencial