Quinta-feira, 12 de setembro de 2024
Por Redação Rádio Caiçara | 3 de dezembro de 2023
Boicotes a marcas, longas amizades desfeitas, relações familiares rompidas, cancelamentos de artistas, atletas e influenciadores. Nas eleições presidenciais de 2022, a polarização que sempre marcou as disputas entre os campos PT e anti-PT atingiu um patamar sem precedentes.
A divisão entre apoiadores de Luiz Inácio Lula da Silva —eleito com a margem mais apertada desde 1989 —e do ex-presidente Jair Bolsonaro se consolidou e transbordou para o cotidiano. Mais que isso, ela veio para ficar.
Essa é a mudança crucial no contexto eleitoral brasileiro mapeada pelo livro “Biografia do Abismo” (Harper Collins), do cientista político Felipe Nunes e do jornalista Thomas Traumann. Para além da agenda econômica, do debate sobre a implementação de políticas públicas, a definição do voto passou a ser também guiada pela forma como cada grupo enxerga o mundo, sobre seus valores e suas identidades.
É nesse ambiente, de polarização extrema, que os brasileiros agora escolhem o que consumir, em que escola matricular os filhos, que cantores ouvir ou mesmo que veículos de mídia acompanhar ou não. A obra compila evidências, a partir de pesquisas de opinião Genial/Quaest, dos efeitos desse transbordamento da divisão política para o dia a dia dos brasileiros e que reforçam o fenômeno da “polarização afetiva”, no qual cresce não só a identificação com o grupo do qual se faz parte, mas também o ódio e a diferença em relação aos vistos como adversários. Os ataques antidemocráticos de 8 de janeiro, por apoiadores de Bolsonaro, são o ápice desse comportamento.
Novo normal
Dados inéditos do Estudo Eleitoral Brasileiro de 2022, reunidos para o livro, mostram que o índice de polarização afetiva do Brasil tem crescido ano a ano e disparou na disputa do ano passado. O cálculo é feito a partir da avaliação dos entrevistados sobre os candidatos a presidente (nome do PT e anti-PT) em uma escala de 0 a 10 , em que 0 é “não gosta de jeito nenhum” e 10 é “gosta muito”. Quanto mais próximo de 10 o resultado ao se reunir os dados de todos os eleitores, maior a polarização afetiva. Esse número passou de 4,42, em 2014, para 5,61 em 2018, e chegou a 6,92.
Outro exemplo concreto desse “novo normal” é o percentual de eleitores de Lula e Bolsonaro em 2022 que afirmaram que se sentiriam infelizes ou muito infelizes se seu filho ou filha se casasse com alguém que vota no candidato oposto. Em junho do ano passado, esse percentual era de 43% entre apoiadores do petista e de 28% entre os que preferiam o ex-presidente, de acordo com levantamento da Quaest.
Os número são próximos do registrado nos Estados Unidos que se divide entre democratas e republicanos. Nos dois segmentos, 38% responderam o mesmo em 2020, em uma pesquisa do instituto YouGov. Em 2023, a tendência continua.
Outro levantamento da Quaest mostrou, em junho, que 32% dos eleitores dos dois principais candidatos do pleito do ano passado declararam não acreditar que reatariam amizades perdidas durante a campanha. Além disso ,25% dos brasileiros disseram que se sentiriam mal se seus filhos estudassem numa escola com muitos pais com visões políticas diferentes.
“Você deixa de falar com seu irmão, de conviver com pessoas que você ama. As pessoas estão se privando da presença. Eu só quero o que é igual a mim. É um termômetro de como a situação é doentia, da intolerância”, alerta Traumann.
Consumo
O impacto não se restringe às relações interpessoais. Também em junho deste ano, 20% dos entrevistados pela Quaest afirmaram que se sentiriam mal ao descobrir que compraram produto de alguém que votou em um candidato diferente do seu. Há um ano, 13% declararam que não comprariam o produto de uma marca que apoiou o candidato adversário.
Para Felipe Nunes, além das autoridades e do meio político, tomadores de decisão no mundo corporativo ainda ignoram o impacto que a polarização afetiva tem também nas escolhas dos consumidores. Os próprios brasileiros, porém, percebem como a divisão se aprofunda. Após o pleito de 2022, 90% dos eleitores avaliaram que o país saiu mais dividido da disputa eleitoral.
Quase metade dos brasileiros apontou crescimento das diferenças de visão de mundo entre homens e mulheres e entre moradores do Sul e Nordeste. “A primeira etapa, e a gente espera que o livro ajude nisso, é aceitar que há essa polarização extrema. E isso significa aceitar que vai ter diferença na igreja, na família, nas empresas e nas instituições. Ou a gente entende isso, ou o resultado pode ser muito pior”, diz Nunes.
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