Sábado, 14 de dezembro de 2024

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Voltar Derrotas do governo Lula no marco do saneamento e no projeto de lei das fake news escancaram fogo amigo do PT

A derrota do governo na Câmara dos Deputados, na noite de quarta-feira (3), reflete não apenas a dificuldade enfrentada pelo Palácio do Planalto na articulação política com o Congresso, mas uma disputa no PT pelos rumos do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O placar de votação do projeto que derrubou trechos de decretos de Lula, editados para alterar o marco do saneamento, escancarou o racha na base aliada e o fogo amigo cada vez mais alto nas fileiras petistas.

O primeiro teste do Executivo no Congresso era para ser mais simples do que os obstáculos previstos para a votação do novo arcabouço fiscal e da reforma tributária. Mas, mesmo assim, mostrou que deputados de partidos com ministérios, como PSD, MDB, União Brasil e até o PSB do vice-presidente Geraldo Alckmin ficaram contra o governo. Foram 295 votos contrários à orientação do Planalto e 136 a favor.

O projeto teve como relator o deputado Fernando Monteiro (PP-PE), sobrinho do ministro da Defesa, José Múcio, e seguirá agora para análise do Senado. “Não se faz decreto em cima de uma lei. A Câmara votou pelo respeito ao Parlamento”, resumiu Monteiro.

O revés ocorreu um dia após o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ter adiado a votação do projeto de lei que regulamenta as redes sociais, o chamado PL das Fake News, a pedido do deputado Orlando Silva (PC do B-SP), relator da proposta.

Embora nesse caso a derrota não possa ser debitada propriamente na conta do Planalto, o fato de o governo ter pedido para Silva encaixar no texto uma agência reguladora de supervisão das plataformas contaminou as discussões. A ideia foi ironicamente batizada pela oposição de “Ministério da Verdade” e, a partir daí, o PL das Fake News ganhou nas redes o apelido de “PL da Censura”.

Mesmo com a retirada desse tópico e também com a inclusão de um trecho para explicitar a garantia de “livre exercício da expressão e dos cultos religiosos”, o Planalto não conseguiu reverter a aliança entre big techs, como Google e Tik Tok, bancada evangélica e apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro. O relator definiu a atuação desse grupo como “guerra suja”. Além disso, houve divergências sobre propostas dentro do PT e do governo.

Restrição

O ministro da Justiça, Flávio Dino, por exemplo, se manifestou contra a extensão da imunidade parlamentar para as plataformas. “A imunidade, na Constituição, é restrita a opiniões, palavras e votos. O projeto (das fake news) vai muito além”, afirmou Dino ao Estadão. “Espero que esse conteúdo não seja aprovado. Se for, acho que o Supremo Tribunal Federal vai voltar a uma interpretação mais restritiva, a do abuso da imunidade parlamentar. Uma coisa é imunidade para fiscalizar; outra é para cometer crimes e ameaçar ministros do Supremo Tribunal Federal.”

Lira conversou com Lula antes de adiar a votação do PL das Fake News. Disse, mais uma vez, que o governo não tinha base sólida na Câmara e reclamou da falta de entendimento entre os responsáveis pela articulação política com o Congresso. Cobrou que acordos saíssem do papel e Lula prometeu liberar R$ 10 bilhões em emendas parlamentares, além de cargos de segundo e terceiro escalões nos Estados.

Na prática, porém, os últimos dias foram reveladores de como a confusão no Planalto causa impacto no Legislativo. Há uma queda de braço entre Lira e o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha. Além disso, existe ali um clima de desconfiança mútua. A leitura no Planalto é a de que Lira cria empecilhos porque quer ter de volta o controle do Orçamento.

Orlando Silva e o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), são aliados de Lira. No caso do PL das Fake News, o presidente da Câmara quis prestar um serviço ao Planalto. Percebeu que não havia apoio para aprovar o projeto – após fazer várias reuniões com líderes de partidos – e, diante das resistências, adiou a votação para meados deste mês, numa estratégia para evitar ainda mais desgaste.

Na análise da revisão do marco do saneamento, porém, Lira agiu para derrubar os decretos de Lula. Embora não estivesse presidindo a sessão desta quarta-feira, 3, pois já se preparava para sua viagem aos Estados Unidos, o presidente da Câmara avisou que enfrentaria o governo se não houvesse alterações nos decretos. Os textos foram chamados por ele de “retrocessos” por facilitar a permanência de empresas estatais no setor.

“Eu sei o que está por trás disso e muitas vezes prefiro ser derrotado a caminhar para a rendição”, disse José Guimarães, na Câmara, ao comentar o resultado da votação. “É um recado? Evidente que é, por várias razões. Os líderes que encaminharam contra o governo vão ter que decidir se são ou não governo.” Nas redes sociais, Guimarães escreveu que era preciso “fazer um freio de arrumação dentro do governo”. E concluiu: “Vida que segue.”

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