Terça-feira, 15 de outubro de 2024
Por Redação Rádio Caiçara | 28 de setembro de 2023
Quando recebeu a indicação para ser ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), o advogado Luís Roberto Barroso foi aconselhado a rezar.
“Você vai ter tempos difíceis pela frente. Não quer passar na Igreja do Bonfim?”, perguntou-lhe uma conhecida em Salvador (BA). Era junho de 2013. Dez anos e três meses depois, o homem que aceitou aquele conselho e amarrou a tradicional fitinha do Bonfim no pulso assumiu nesta quinta-feira (28), a presidência do STF.
Desde que entrou no Supremo, indicado pela então presidente Dilma Rousseff, o magistrado foi alvo de vários xingamentos. Bateu boca diante das câmeras com o colega Gilmar Mendes, a quem chamou de “mistura do mal com o atraso e pitadas de psicopatia”, e teve inúmeros confrontos com apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro. A frase da “psicopatia” virou meme nas redes sociais e estampa de camiseta.
Em mais de uma ocasião, houve até quem tentasse emplacar um pedido de impeachment contra Barroso no Senado. Sem sucesso. O tema voltou à baila em julho, quando o ministro, vaiado por um grupo de estudantes na abertura do Congresso da UNE, em Brasília, respondeu que reencontrava naquele local o próprio passado de enfrentamento à ditadura e encaixou o bolsonarismo no discurso.
“Nós derrotamos a censura, nós derrotamos a tortura, nós derrotamos o bolsonarismo para permitir a democracia e a manifestação livre de todas as pessoas”, afirmou.
O magistrado foi obrigado a deixar as aulas como professor de Direito Constitucional, em 1981, por ter feito oposição ao regime militar. Ele era líder estudantil na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e gostava, como gosta até hoje, das tirinhas de Mafalda, do escritor argentino Quino. “Não tem como ser advogado e não ler Mafalda”, justifica.
Hostilizado por seguidores de Bolsonaro, Barroso já recebeu ameaças de morte e não sai de casa sem proteção de seguranças. Em novembro do ano passado, soltou um “Perdeu, mané. Não amola” ao ser questionado por um bolsonarista, em Nova York, sobre a lisura das urnas eletrônicas.
A ideia do novo presidente do STF é pôr de pé um pacto pela democracia. Embora a proposta não seja nova, ele traçou um plano para tentar fazer com que a Corte seja melhor compreendida.
“Quero conversar com todo mundo: do MST à CNI”, costuma dizer o ministro, numa referência ao Movimento dos Sem-Terra, que desde o início do governo Lula promoveu 61 invasões, e à Confederação Nacional da Indústria.
Aos 65 anos, advogado constitucionalista, mestre em Direito pela Universidade de Yale, nos Estados Unidos, e doutor pela Uerj, Barroso parece não se preocupar com as críticas. Motivo: é adepto da meditação, que pratica todo dia antes mesmo do expediente. O magistrado tem mania de dividir todos os assuntos que chegam às suas mãos em três tópicos.
Às sextas-feiras, por exemplo, sempre dá três dicas culturais para o fim de semana no X (ex-Twitter): um livro, uma poesia, uma música. No ano passado, a dois dias do segundo turno entre Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro, sugeriu o seguinte samba: “Já vai tarde”.
Para o ex-presidente do STF Carlos Ayres Britto, Barroso vai imprimir ao Supremo uma vertente cada vez mais afinada com a Constituição. “E basta isso”, observou. “O Judiciário não deve jamais cortejar a opinião pública, mas deve dar satisfações a ela, lavrando posições bem claras.”
Foi Ayres Britto que levou o médium João de Deus à casa de Barroso, em 2012, quando ele ainda não era ministro do STF e havia sido diagnosticado com câncer no esôfago. Os médicos lhe deram um prognóstico muito ruim: um ano de vida, talvez um pouco menos.
Além do tratamento convencional, Barroso foi várias vezes a Abadiânia (GO) se encontrar com João de Deus. “(…) Me preparei para morrer sem nenhuma amargura”, admitiu ele no seu livro Sem Data Venia.
Em 2013, quando Dilma o convidou para ser ministro do Supremo, sua doença já havia desaparecido.
“Fiquei devastado com o que aconteceu depois”, escreveu o magistrado, numa referência à série de condenações do médium por estupro e violação sexual mediante fraude.
“Acho, sinceramente, que as pessoas a quem ele fez bem devem ser agradecidas. Foram muitas, eu vi. E, naturalmente, as pessoas a quem ele possa ter feito mal, essas têm o direito à justiça”, argumentou Barroso. “A mim, já me bastam os casos que tenho que julgar por dever de ofício.”
Criado entre o judaísmo e o catolicismo, Barroso se define como um homem de muita fé. Diz que aceita todo tipo de ajuda, venha de onde vier, e mantém até hoje, em seu gabinete, um cristal de rocha que ganhou de João de Deus.
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