Quarta-feira, 04 de dezembro de 2024
Por Redação Rádio Caiçara | 26 de março de 2022
A maioria dos brasileiros defende que o direito ao aborto legal seja mantido nos casos em que já é autorizado segundo a legislação brasileira – quando a gestação é decorrente de estupro, oferece risco de vida à gestante ou quando o feto tem anencefalia – ou que esse direito avance e se torne ainda mais amplo, abarcando outros casos além dos já previstos em lei.
É o que aponta a pesquisa “Percepções Sobre o Direito ao Aborto em Casos de Estupro”, feita pelo Instituto Patrícia Galvão e pelo Instituto Locomotiva. Para chegar a esse resultado, divulgado nesta sexta-feira (25), o levantamento ouviu 2.000 pessoas, homens e mulheres de todas as regiões do Brasil e maiores de 16 anos, entre 24 de janeiro e 7 de fevereiro deste ano.
“A gente pensa que o discurso contra o aborto é hegemônico quando, na verdade, ele é mais forte do que numeroso. São poucas pessoas fazendo muito barulho”, afirma Maíra Saruê, diretora de pesquisa do Instituto Locomotiva, sobre a alta taxa de apoio à ampliação dos direitos reprodutivos das mulheres.
Brasileiros são solidários com vítimas de estupro
A pesquisa foca especialmente na opinião dos brasileiros acerca do aborto em casos de gravidez em decorrência de estupro e mostra que a maioria da população é a favor de vítimas decidirem se querem ou não interromper a gestação de forma legal e segura em um hospital público (87% dos entrevistados, 89% entre as mulheres e 85% entre os homens).
Maíra aponta que, quando o aborto está ligado a um estupro, as pessoas tendem a humanizar essa mulher e, consequentemente, ser mais favoráveis à interrupção dessa gravidez. “Nesses casos, as pessoas entendem que aquela mulher foi vítima de uma violência e que manter a gestação, portanto, é uma nova violência. Existe um entendimento cada vez maior de que essa mulher não pode ser vítima duas vezes”, diz.
Para Maíra, outros dois dados da pesquisa deixam essa percepção ainda mais evidente: 64% dos brasileiros concorda que ninguém faz um aborto porque quer, mas porque precisa; além disso, 64% entendem que o direito ao aborto deve ser discutido no âmbito da saúde pública e dos direitos humanos, não de religião ou segurança pública.
Segundo o levantamento, os principais fatores que levam os brasileiros a concordar com a interrupção da gravidez em caso de estupro são preservar a saúde física e mental da mulher (72% dos entrevistados) e retomar a vida, deixando para trás o trauma da violência sexual (62%).
Mulheres conhecem problema, mas não solução
Os institutos Locomotiva e Patrícia Galvão perguntaram às mulheres, ainda, como agiriam se estivessem nessa situação: 75% delas disseram que gostaria de ter opção de abortar legalmente caso engravidasse após um estupro, e 52% que optariam por interromper a gravidez. Das evangélicas, 43% responderam que fariam aborto nesses casos.
Entre os entrevistados, 84% das pessoas sabem que o aborto clandestino sem condições de saúde adequadas é uma das principais causas de morte de grávidas no Brasil. Mas uma parcela considerável da população não conhece muito bem esse direito: menos da metade das mulheres sabe que pode abortar em qualquer maternidade pública após um estupro (47%) e que é possível fazer isso mesmo sem registrar um boletim de ocorrência (43%).
“As pessoas conhecem o problema, mas não a solução”, afirma Maíra. “O direito de interromper a gravidez ainda é pouco conhecido e isso é muito preocupante. A gente percebe uma maioria de mulheres que gostariam de ter acesso a esse recurso, mas não sabem que esse direito existe e nem como acessá-lo”.
Manipulação política impede que direitos avancem
Apesar de ser assegurado por lei, o direito ao aborto em casos de estupro é frequentemente ameaçado: no ano passado, um projeto de lei apelidado de “bolsa-estupro” tentou criar o pagamento de um auxílio para incentivar vítimas de estupro a manter a gestação e ainda proibir o aborto em todos os casos, inclusive os já autorizados no país.
Se fosse aprovado, vítimas de estupro não poderiam decidir pela interrupção da gestação e, se o fizessem, seriam criminalizadas. Também são frequentes discursos contrários ao aborto e chamados de “pró-vida” no Congresso Nacional, no Palácio do Planalto e até no Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, chefiada pela ministra Damares Alves – mas, para 73% dos entrevistados pela pesquisa, quem defende a criminalização do aborto não está pensando na mulher ou menina gestante, nem no futuro delas caso mantenham a gestação.
Hoje, segundo a lei brasileira, uma mulher que interrompe a gravidez em outros casos que não os três previstos, pode ser julgada e receber condenação de três a seis anos de reclusão.
Para Maíra, existe uma “manipulação política” do tema aborto que cria obstáculos entre a opinião pública, que é favorável à interrupção da gravidez, e o que é decidido em Brasília: “É um assunto que sempre foi visto como ‘coisa de feminista’, e as políticas públicas são construídas em cima dessa ideia supostamente pró-vida quando, na verdade, deveriam dialogar mais com a opinião pública.”
No Ar: Show Da Madrugada