Terça-feira, 25 de março de 2025
Por Redação Rádio Caiçara | 4 de novembro de 2023
A reclusão do então presidente Jair Bolsonaro no fim de 2022, quando se recolheu no Palácio da Alvorada e quase não fez aparições públicas, escondeu uma intensa movimentação de bastidores. De apelos para admitir o resultado eleitoral até a edição de uma minuta golpista, as discussões travadas em reuniões até então secretas revelam como o ex-presidente trabalhou para encontrar alternativas para reverter a derrota nas urnas para Luiz Inácio Lula da Silva.
Após o baque inicial da derrota, o primeiro encontro em que Bolsonaro discutiu o que fazer ocorreu dois dias depois do segundo turno, em 1º de novembro, quando convocou seus ministros para irem ao Alvorada — a última reunião ministerial do seu governo. Na época, bloqueios de rodovias por caminhoneiros se multiplicavam pelo país e o então presidente vinha sendo acusado de ser condescendente com o movimento golpista, que ele considerava legítimo.
Três pessoas presentes à reunião ministerial disseram que Bolsonaro ouviu apelos para que admitisse a derrota e iniciasse a troca de governo. Os pedidos vieram sobretudo da “ala civil”. Já a ala militar — comandada pelo general Walter Braga Netto — aconselhou o então presidente a não se manifestar em relação à derrota enquanto não ficasse pronto um relatório das Forças Armadas sobre fiscalização nas urnas eletrônicas. O documento só viria a ser divulgado em 9 de novembro, sem apontar ocorrência de fraude.
Bolsonaro nunca reconheceria a vitória do adversário, mas cedeu em um ponto naquele dia. Escalado para a missão de convencer o chefe, o então ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, disse ao mandatário que as pessoas começariam a morrer por falta de oxigênio nos hospitais, se ele não desestimulasse os bloqueios e fizesse um mínimo gesto de que a eleição havia terminado.
“Os aeroportos principais já estavam parados por falta de combustível. O país estava colapsando como aconteceu no governo Temer. E eu fui lá para convencê-lo”, disse Ciro.
O apelo levou o ex-presidente a liberá-lo a iniciar o processo de transição de governo, segundo Ciro. Naquela tarde, Bolsonaro fez um pronunciamento à imprensa no qual classificou os bloqueios como “fruto de indignação e sentimento de injustiça”, mas que os métodos não podiam envolver o “cerceamento do direito de ir e vir”. O então chefe da Casa Civil anunciou em seguida o começo da transição.
Apesar da sensação de alívio entre os “paisanos”, o grupo passou a ser escanteado nas reuniões seguintes. Em 2 de novembro, Bolsonaro teve uma agenda com militares — o ex-ministro Braga Netto, que foi seu candidato a vice, e os comandantes do Exército, general Freire Gomes, e da Marinha, almirante Garnier Santos. Procurado, Braga Netto não quis se pronunciar. Garnier e Freire Gomes não retornaram aos contatos.
Ao longo daquele mês, os aliados se espantaram com o abatimento e melancolia do então presidente. “Fiquei orando e lendo a Bíblia para ele. Estava muito quieto e triste. Foi um baque para todo mundo”, contou o senador Magno Malta (PL-ES), que foi duas vezes ao Alvorada em novembro.
O senador eleito e então vice-presidente, Hamilton Mourão (Republicanos-DF), também fez uma visita de cortesia: “Pedi para ele reconhecer o resultado das eleições. Ele não respondeu nada”.
Bolsonaro, de fato, não estava acostumado a perder. Após um mandato como vereador do Rio, sete na Câmara dos Deputados e um no Palácio do Planalto, ele havia saído derrotado nas urnas pela primeira vez.
Para piorar a situação, o mandatário foi acometido por uma erisipela na perna — uma infecção bacteriana que se propaga pelos vasos linfáticos e deixa a pele em carne viva. Bolsonaro ficava de bermuda e com o pé para cima na maior parte do tempo. A doença foi apresentada como o principal pretexto para o isolamento no Alvorada — mas não impediu que ele continuasse recebendo visitas.
No dia 18 de novembro, Bolsonaro recebeu no Alvorada seu assessor para assuntos internacionais, Filipe Martins, ligado ao chamado “gabinete do ódio”. Foi nesse período que, segundo a delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, seu ex-ajudante de ordens, que o então presidente recebeu uma minuta de um decreto com teor golpista das mãos de Martins.
Cid também contou que após ler o documento, o então presidente pediu alterações e, dias depois, apresentou a nova versão aos comandantes das Forças Armadas, em busca de apoio. Pelo relato do ex-ajudante de ordens, apenas Garnier topou.
Diante da falta de apoio para uma ofensiva golpista, Bolsonaro passou a se reunir com advogados que atuaram em sua campanha à reeleição para discutir alternativas de contestação do resultado eleitoral por via judicial.
No Ar: Bom Dia Caiçara